Contar a alguém sobre o que aconteceu

Decidir se vamos compartilhar nossa experiência após um abuso é uma escolha profundamente pessoal. Escolher se, como e com quem contar pode ser um passo importante no processo de recuperação. Falar sobre o que aconteceu pode nos trazer alívio, oferecer um espaço seguro para expressar nossos sentimentos, nos lembrar de que não estamos sós e nos ajudar a refletir e retomar o controle da nossa própria história. Este guia apresenta alguns fatores importantes a considerar, ajudando-nos a tomar a decisão que parecer certa para nós.

Ler sobre abuso pode trazer à tona sentimentos difíceis ou gatilhos, então vá no seu próprio ritmo. Faça pausas se precisar. Este guia estará sempre aqui, para quando e se você precisar. Se você sentir necessidade de se ancorar no presente, temos vários exercícios de aterramento no Bloom.

Agradecemos o uso dos seguintes recursos na criação deste guia:
RAINN: Contando aos entes queridos sobre abuso sexual
Por que muitas pessoas não falam sobre eventos traumáticos até muito tempo depois de acontecerem

Tempo de leitura: 30 minutos
Última atualização: Abril de 2025

1. Decidindo se devemos compartilhar

É normal não contar a alguém.

Não devemos a ninguém nossa história de agressão ou abuso. É totalmente válido optar por não contar a ninguém ou decidir não compartilhar com uma pessoa em particular. Há muitos motivos pelos quais podemos fazer essa escolha. O que mais importa é priorizar nossa própria jornada de cura de uma forma que pareça adequada para nós.

Não há problema em contar a alguém.

Um amigo de confiança, um membro da família, um conselheiro ou uma figura de autoridade — cabe a nós decidir com quem compartilhar nossa história. Contar a alguém pode ser uma boa maneira de nos libertarmos, pode nos dar um lugar seguro para chorar, nos ajudar a nos sentirmos menos sozinhos ou pode ser um passo para ganhar mais controle sobre nossa história. A coisa mais importante a considerar é o que nos deixa mais confortáveis e o que nos ajudará a nos curar.

O registro no diário pode ser uma ferramenta poderosa para refletir sobre por que queremos compartilhar, com quem e quais são nossas esperanças ou medos. Também pode nos ajudar a organizar nossos pensamentos, processar nossas emoções e obter clareza. Tudo o que você precisa para começar é uma caneta e papel ou um telefone, laptop ou tablet.

  • Se o processo parecer complicado, defina um cronômetro. Comece com apenas cinco minutos e veja o que acontece durante esse período.
  • Escreva livremente. Não se preocupe com a estrutura ou os detalhes; simplesmente deixe os pensamentos fluírem. Isso pode ajudar a liberar coisas das quais talvez nem estejamos totalmente cientes, como emoções ou perguntas complexas.
  • Use avisos. Se você não sabe por onde começar, use algumas perguntas rápidas:
    • Como meu corpo se sente quando reflito sobre o que aconteceu?
    • Quais partes da minha história parecem claras e quais ainda parecem confusas?
    • Como é a cura para mim agora?
    • A quem eu escolheria contar e que tipo de apoio espero deles?
    • Quais são meus maiores medos em relação ao compartilhamento e como posso gerenciá-los?

Revisite sua escrita. Com o tempo, ler nossos diários pode nos ajudar a entender nossos pensamentos e decidir como e se queremos compartilhar.

2. Escolhendo com quem compartilhar

Escolher para quem contar pode ser uma decisão difícil, e não existe uma resposta única. Todas nós queremos e merecemos nos sentir em segurança  e termos nossas histórias compreendidas  ao compartilhar algo tão íntimo. Devemos pensar no que queremos ao contar sobre nossa experiência, e tentar encontrar alguém que possa nos oferecer o tipo de apoio que precisamos — seja um ombro amigo, ou suporte em um processo de denúncia.

Escolher com quem contar pode exigir uma reflexão sobre as pessoas ao nosso redor e os tipos de relação que temos com elas. Aqui estão algumas perguntas que podem ajudar:

  • Qual é meu tipo de relação com essa pessoa?
  • Que tipo de apoio espero receber dela?
  • Eu me sinto emocionalmente em segurança com essa pessoa?
  • Eu confio que esta pessoa manterá minha história em sigilo, caso eu peça para que seja?
  • Há algum risco envolvido em contar para essa pessoa?

Se estivermos em dúvida sobre com quem contar, o exercício de mapeamento de confiança (Trust Mapping) pode ser útil. É uma atividade prática que nos ajuda a pensar em quem confiamos em nossas vidas — e como a confiança é algo dinâmico, que pode mudar à medida que nós e nossas relações mudam.

  1. Desenhar dois círculos sobrepostos (também conhecidos como ‘Diagrama de Venn’)
  2. Rotule um círculo como “Pessoas em quem confio agora” e o outro como “Pessoas em quem confiava enquanto estava crescendo”.
  3. Agora comece a preencher os círculos. Qualquer pessoa que se encaixe nas duas categorias pode ser colocada no meio, onde os círculos se sobrepõem.
  4. Observe, sem julgamento ou culpa, quem vai para qual parte do diagrama. Tudo bem se não houver ninguém na categoria “Em quem confio agora”. Pode levar tempo para conseguir confiar novamente.


Você também pode encontrar esse exercício na sessão “Contar a alguém sobre o abuso”, no nosso curso Sociedade, patriarcado e trauma sexual.

Às vezes, pessoas próximas reagem de maneira emocional ao ouvirem sobre nossa dor. Essas reações podem estar motivadas por sentimentos de impotência ou culpa — ficam com raiva de que isso tenha acontecido conosco, e talvez pensem que poderiam ter impedido. É importante lembrar que não temos a obrigação de gerenciar as emoções de ninguém. Contar a alguém é sobre nós: sobre o que precisamos...

Nem todo mundo vai reagir da forma como esperamos ou gostaríamos. Algumas pessoas podem não acreditar no que vivemos ou discordar de que foi uma situação de abuso. Se conhecem quem nos agrediu e/ou abusou, podem até tomar partido, sair em defesa ou se recusar a mudar sua forma de interagir com a pessoa agressora.

É essencial lembrar que não é nossa culpa se alguém não acredita na gente. Não podemos controlar como as pessoas reagem ao nosso trauma. Isso não significa que contamos da forma errada e, certamente, não invalida nossa experiência.

Por isso é tão importante pensar em com quem nos sentimos em segurança para compartilhar. Merecemos receber apoio e que acreditem em nós.  Às vezes escolhemos contar para certas pessoas não porque esperamos que elas tomem alguma atitude ou nos entendam totalmente, mas apenas para aliviar o peso de carregar a dor do acontecido. Outras vezes, confiamos em pessoas — como amigas próximas, familiares ou membros da comunidade — com a esperança de que apoiem ativamente nossa processo de recuperação. Ter expectativas realistas sobre como alguém pode reagir pode ajudar a nos proteger de mais dor ou decepção.

Para muitas pessoas, fatores culturais influenciam na decisão de com quem contar. Sabemos que diferentes culturas vêem o abuso de formas diferentes. Em sociedades patriarcais, a culpa pode recair sobre quem sofreu o abuso, e não sobre a pessoa que cometeu a agressão e/ou abuso). Esse medo de estigma ou julgamento pode tornar ainda mais difícil falar.

Mas é importante lembrar que nem todo mundo na nossa comunidade compartilha essas crenças prejudiciais. Encontrar alguém em quem confiamos — alguém cujos valores estejam alinhados com nossa segurança e bem-estar — pode fazer toda a diferença, especialmente ao navegar por pressões culturais.

Manter o controle da nossa história

Um dos maiores medos ao contar nossa história é perder o controle sobre ela — existe a possibilidade de que a informação se espalhe de maneiras que não planejamos. Esses riscos podem tornar o ato de compartilhar ainda mais assustador.

Mas nós temos controle — sobre quando, como e quanto vamos contar, mesmo que nos perguntem diretamente. Está tudo bem começar aos poucos, testar a confiança, e contar apenas o que parecer seguro. Dar um passo de cada vez pode nos ajudar a sentir mais controle e preparo emocional.

Considerações práticas: por que podemos escolher contar a alguém

Ao decidir com quem compartilhar nossa experiência, é importante considerar quem parece seguro para confiar, por que queremos contar, e que tipo de apoio esperamos receber. Por exemplo:

  • Contar para alguém no trabalho: Pode resultar em apoio prático, como compreender a necessidade de uma pausa, ajustar a carga de trabalho ou evitar ambientes que possam gerar gatilhos.
  • Contar para pessoas amigas ou familiares: Podem nos acompanhar quando não nos sentimos em segurança, oferecer abrigo ou apoio durante um processo de denúncia.
  • Contar para terapeuta ou profissional de saúde mental: Pode proporcionar apoio profissional adaptado à nossa jornada de recuperação.

Entendendo possíveis implicações legais

Também é importante saber que podem existir implicações legais ao decidir contar sobre um abuso, especialmente se formos menores de 18 anos ou maiores de 65. Em alguns países, pessoas em determinadas profissões têm obrigação legal de denunciar comportamentos ilegais ou perigosos — mesmo que o abuso tenha ocorrido há muito tempo.

Isso se aplica a professores/as, médicas e médicos, assistentes sociais, entre outros/as, que podem ter a obrigação por lei de denunciar, especialmente se o/a agressor/a ainda estiver em posição de prejudicar alguém. Isso é chamado de denúncia obrigatória.

Se isso for uma preocupação, pode ser útil se informar sobre as exigências legais antes de compartilhar com alguém nessa posição.

Contar a alguém é uma decisão profundamente pessoal. Merecemos compartilhar nossa história nos nossos próprios termos, com pessoas que vão honrar e respeitar nossa verdade.

3. Escolhendo o momento certo

Se decidimos que queremos compartilhar, talvez fiquemos em dúvida sobre qual seria o momento certo. Aqui vão algumas perguntas que podem ajudar a entender como estamos nos sentindo e se estamos preparadas/os para compartilhar nossa história: 

  • Quais emoções surgem quando penso em compartilhar minha experiência?
  • Estou contando porque realmente quero, ou sinto pressão para fazer isso?
  • Eu me sinto em segurança no ambiente atual para ter essa conversa?
  • Estou sentindo nervosismo, mas ainda no controle — ou me sinto lidando com uma sobrecarga?

Se nos sentimos em segurança, no controle e com vontade de falar, pode ser que estejamos preparadas e preparados para conversar com alguém. Mas se não nos sentimos em segurança, ou se achamos que isso pode ser re-traumatizante, talvez precisemos de mais tempo antes de compartilhar. Talvez ainda não seja o momento, e tudo bem.

Essas conversas também podem surgir de forma espontânea, mesmo que não estejamos 100% preparadas e preparados. Quando isso acontecer, podemos usar nosso bom senso para decidir se queremos continuar. Também pode haver momentos em que nos sentimos pressionadas/os a contar antes de estarmos prontas/os, ou com alguém que não nos sentimos à vontade.

É importante lembrar: não devemos nossa história a ninguém, e está tudo bem voltar ao assunto mais tarde, quando  sentirmos que é o momento mais adequado. Podemos dizer algo como: “Isso é algo que não me sinto confortável em conversar agora. Podemos falar de outra coisa, por favor?”

Se sentirmos incerteza, mas acharmos que pode ser o momento certo, podemos mencionar o assunto de forma suave e observar como a outra pessoa reage. Se a reação não for acolhedora ou se nos sentirmos desconfortáveis, está tudo bem parar e retomar outro dia.

Não existe um tempo certo — somos nós que decidimos quando, como e com quem compartilhar nossa história.

Infelizmente, há situações em que nossa experiência é compartilhada sem nosso consentimento, como em escolas, locais de trabalho ou espaços religiosos. Isso pode ser traumático e opressor, especialmente se não nos sentimos prontas e prontos para falar ou não nos sentimos confortáveis em compartilhar com a pessoa envolvida. Se isso acontecer, podemos tentar afirmar nossos limites — deixar claro que não escolhemos dividir nossa experiência e que não estamos nos sentindo prontas e prontos para conversar ou agir sobre isso. Se tudo parecer fora de controle, está tudo bem se afastar e focar no autocuidado. Você pode visitar nossa sessão de autocuidado para estratégias de apoio.

4. Escolhendo o meio certo

Qual é o meio mais adequado para a nossa conversa?

Conversas podem acontecer de várias formas diferentes. O mais importante é encontrar o meio que funcione melhor para nós.

Compartilhar anonimamente

Às vezes, queremos que as pessoas conheçam nossa história, mas não queremos que saibam que é nossa.

Há muitas formas pelas quais sobreviventes encontraram justiça pessoal de maneira anônima. No México, sobreviventes de violência criaram “muros da vergonha”, onde escrevem suas experiências junto com o nome da(s) pessoa(s) responsável(is). No Paquistão, estudantes de uma escola preparatória usaram as redes sociais para relatar abusos cometidos por professores. Em várias partes do mundo, sobreviventes entram em contato com jornalistas para contar suas histórias e pedem que elas sejam tornadas públicas em seu nome.

Dependendo da nossa situação, manter o anonimato pode ser a opção mais segura — mas é importante tomarmos cuidado para proteger nossa identidade. Para mais informações sobre como se manter seguro online, consulte o recurso de segurança digital da Chayn: DIY Online Safety.

Permanecer em anonimato também pode ser importante se estivermos seguindo com ações legais. Já houve casos em que a prática de “expor o agressor” dificultou o processo judicial.
Se você já fez uma denúncia e se sente confortável, vale a pena entrar em contato com a instituição à qual você denunciou para ter certeza de que está tomando uma decisão informada antes de compartilhar sua história de forma mais ampla.

Compartilhar por escrito

Compartilhar por escrito — seja por e-mail, carta manuscrita ou mensagem — pode ser uma forma poderosa de contar nossa história. Nos permite tomar nosso tempo, escolher com cuidado as palavras e nos expressar sem a pressão de uma reação imediata.

Também cria um registro escrito, que pode ser útil para nossa reflexão ou como documentação, caso precisemos no futuro. Se estamos entrando em contato com alguém para pedir apoio, uma carta dá espaço para que essa pessoa processe o que compartilhamos antes de responder.

No entanto, há algumas coisas a considerar:

  • Uma vez enviada, é permanente: Seja por carta, e-mail ou mensagem, nossas palavras existirão fora do nosso controle. Está tudo bem levar o tempo que for preciso antes de enviar.
  • Pode ser compartilhado com outras pessoas: Mesmo que confiemos na pessoa que vai receber, ela pode encaminhar ou mostrar a carta a terceiros. Se privacidade for uma preocupação, talvez seja melhor sermos cuidadosos com o que incluímos.
  • Pode ser usada em processos legais: Se existe a possibilidade de ação judicial, é importante focar nos fatos e evitar linguagem que possa ser mal interpretada. Utilizar uma linguagem neutra e clara pode ajudar.
  • Manter uma cópia para nós mesmas é uma boa ideia: Enviando ou não, ter uma cópia nos ajuda a acompanhar nossos pensamentos, documentar nossa experiência e nos lembrar da força que é colocar nossa história em palavras.

Conversar por telefone

Se falar pessoalmente parecer algo avassalador, uma ligação telefônica pode ser um meio-termo confortável. Permite que tenhamos uma conversa privada mantendo certa distância, o que pode nos ajudar a nos sentir em mais segurança e no controle. Podemos escolher quando e onde ligar, garantindo que estejamos no espaço mais confortável possível.

Aqui vão algumas considerações antes de fazer uma ligação:

  • Privacidade e horário: Encontrar um lugar tranquilo e seguro para falar — onde nossa história não seja ouvida por terceiros e onde não haja interrupções — tudo isso pode nos ajudar a ficar mais à vontade.
  • Não precisamos continuar na chamada, se ficar pesado demais: Está tudo bem desligar o telefone se a conversa não estiver indo bem ou se começarmos a nos sentir sobrecarregadas/os. Também podemos estabelecer limites desde o início, como: “Tenho apenas 10 minutos para conversar”, para manter a conversa nos nossos termos.
  • Gravar a conversa pode ser uma opção: Ter um registro pode ser útil, especialmente se estivermos conversando com alguém em um papel oficial. No entanto, as leis sobre gravações variam de acordo com o local, então é importante verificar se precisamos do consentimento da outra pessoa antes de gravar.

Falar pessoalmente

Podemos decidir que falar pessoalmente é a melhor opção. Isso permite uma conexão mais profunda, ajuda a outra pessoa a entender nossas emoções e nos dá a chance de observar sua reação em tempo real.

Aqui vão algumas coisas para pensar antes de ter uma conversa presencial:

  • Escolha um local que pareça seguro: Um espaço público como um café ou parque pode parecer mais seguro, especialmente se não sabemos como a pessoa vai reagir. Por outro lado, um ambiente privado — como a casa de um(a) amigo(a) de confiança — pode oferecer mais conforto e privacidade.
  • Podemos estabelecer limites com antecedência: Se temos receio de que a conversa fique pesada demais, podemos dizer o que precisamos, como: “Não quero conselhos agora — só preciso que você me ouça e me ofereça apoio emocional”.
  • Uma chamada de vídeo pode ser uma boa alternativa: Se não for possível ou seguro se encontrar pessoalmente, usar um aplicativo de vídeo seguro ainda pode oferecer uma sensação de conexão, permitindo que estejamos em um lugar onde nos sentimos confortáveis.
  • Ter um plano de apoio pode ajudar: Pode ser útil combinar com uma/um amiga/o de confiança para entrar em contato depois da conversa, ou planejar algo reconfortante para fazer em seguida — como ouvir música, escrever num diário ou descansar.

Depois de escolhermos a pessoa certa e o lugar certo, podemos chamá-la para conversar sem dar detalhes imediatamente. Uma mensagem simples como: “Tenho algo importante que gostaria de conversar com você. Você estará disponível amanhã à noite?” já é suficiente. Escolher o momento e o ambiente que nos fazem sentir mais confortáveis é essencial — nós merecemos ter essa conversa nos nossos próprios termos.

5. A conversa

Preparando-se para a conversa

Se decidimos compartilhar nossa história com alguém — ou mesmo se ainda estamos pensando sobre isso — pode ser útil nos prepararmos com antecedência. Pensar sobre o que esperamos alcançar ao contar nossa história e como queremos nos sentir depois disso pode nos ajudar a decidir o que dizer a uma pessoa específica.

Por exemplo, se estamos contando a uma parceria romântica, talvez queiramos focar nos impactos da nossa experiência na nossa capacidade e desejo de intimidade. Não é necessário entrar em todos os detalhes do que aconteceu. Podemos tentar algo como: “Ainda não estou pronta para falar sobre isso com muitos detalhes, mas quero que saiba que não gosto de fazer ____ e prefiro ____.” Há uma sessão sobre sexualidade após abuso sexual no nosso curso Bloom Apoiando o processo de recuperação de traumas sexuais, que você pode acessar aqui.

Se estivermos conversando com colegas de trabalho porque usaram uma linguagem que nos disparou gatilhos, talvez queiramos expressar como nos sentimos com base em nossas experiências e mostrar como as palavras deles nos afetam.

Preparando-se para a resposta

Quando contamos nossa história, é normal termos uma ideia de como gostaríamos que a conversa acontecesse. Queremos que acreditem em nós e receber apoio. Embora não possamos prever exatamente o que vai acontecer, podemos tentar nos preparar.

Algumas pessoas podem fazer muitas perguntas ou dar opiniões. É importante lembrar que perguntas nem sempre são sinal de desrespeito — às vezes, as pessoas não sabem como reagir. Se alguém fizer uma pergunta que nos deixe desconfortáveis, podemos dizer algo como: 

Essa pergunta me deixa desconfortável/triste.” ou “Não sei como responder a isso, você pode me dar um momento?”

A pessoa para quem estamos contando pode ter uma resposta negativa — pode, por exemplo, ficar irritada ou nos culpar pelo que aconteceu. Se isso acontecer, não é nossa culpa. Não é nossa responsabilidade controlar as reações dos outros. Se recebermos uma resposta sem apoio, podemos decidir encerrar a conversa.

Mudar de ideia

Contar nossa história nem sempre é fácil — às vezes podemos querer mudar de ideia. E tudo bem. Podemos pensar sobre o que fazer caso, naquele momento, decidamos que não queremos mais falar sobre isso. Podemos praticar uma frase simples como: “Mudei de ideia e não quero mais falar sobre isso.”

Talvez também queiramos uma pausa, um momento para organizar nossos pensamentos antes de continuar. Dizer algo como: “Preciso de um momento, você pode me contar como foi seu dia?” pode tornar a situação mais leve. E quando estivermos prontos para continuar, podemos comunicar isso.

Também é possível pensar numa estratégia de saída: como encerrar a conversa e o que fazer depois. Podemos pensar se vamos querer passar um tempo com a pessoa com quem conversamos, ou se preferimos ficar sozinhas(os) depois. A seção de autocuidado deste guia traz mais detalhes sobre isso. É totalmente aceitável mudar de ideia a qualquer momento. Por exemplo: “Acho que não tenho energia para sair hoje, você se importaria de ficar comigo/em me deixar um tempo sozinha(o)?

6. Coisas para lembrar:

  • Nós controlamos a narrativa. Compartilhe o máximo ou o mínimo que achar confortável. Não precisamos divulgar detalhes, a menos que escolhamos. Seja você mesmo, respire fundo e compartilhe em um ritmo confortável. Não há regra e só nós sabemos o que é melhor para nós.

  • Não há problema em estabelecer limites. Informe à pessoa como ela pode apoiar e que tipo de resposta dela pode ajudar. Por exemplo: “Preciso de espaço para compartilhar sem interrupções.” Não há problema em dizer à outra pessoa como ela pode criar um espaço acolhedor, encorajador e sem julgamentos para compartilhar.
  • Planeje o que queremos dizer, se necessário. Quando estamos nervosos, especialmente quando discutimos traumas, pode ser difícil dizer as palavras. Fazer anotações e criar um plano com antecedência pode ajudar a aliviar a ansiedade.

  • Reconheça o desconforto e tenha um plano de saída. Reconhecer se uma situação nos deixa desconfortáveis, estressados ou desencadeados faz parte do processo de cura. Se a conversa se tornar avassaladora, saiba como se afastar com segurança. Temos muitos exercícios de aterramento que você pode usar no Bloom.

  • Se quisermos, explique o impacto. Quando passamos por um trauma, isso pode mudar a maneira como pensamos, nos comportamos e reagimos às coisas. Para aqueles que não sabem o que estamos passando ou podem não entender o impacto do trauma, eles podem ter achado isso preocupante. Ao explicar como nos sentimos e como estamos nos sentindo agora, eles podem entender o que está acontecendo.

  • Diga a eles como eles podem ajudar. Se a pessoa perguntar como ela pode nos apoiar, diga que tipo de ajuda precisamos, seja apoio emocional, ajuda prática ou apenas sendo escutada.

Encerre a conversa em nossos termos. Se necessário, redirecione a discussão ou peça ajuda para sair da situação. Por exemplo: “Não posso mais falar sobre isso, mas preciso do seu apoio para deixar esse espaço.”

7. Depois da conversa: processar e cuidar de si 

Depois de termos a conversa, talvez precisemos de um tempo para processar os sentimentos que surgiram ao compartilhar. Podemos sentir alívio, validação, exaustão ou incerteza. Qualquer que seja o sentimento, ele é válido. O processo de cura  não é linear, e cuidar de nós depois de compartilhar é tão importante quanto a própria decisão de contar.

Processando a experiência

  • Dê a si um tempo:  Após compartilhar, pode ser necessário se afastar e focar no que você precisa. Não importa se a resposta que recebemos foi de apoio ou não — está tudo bem recuar e cuidar de si.
  • Sinta o que precisar sentir: Se surgirem emoções como tristeza, raiva, alívio ou confusão, permita que elas estejam presentes. Chorar, desabafar ou até rir são formas naturais do nosso corpo processar e curar.
  • Silencie o crítico interno: Se começarem a surgir pensamentos negativos — se questionando, revivendo a conversa ou se culpando por ter compartilhado — tente interromper esse ciclo. Atividades como se ancorar no presente, mover o corpo ou lembrar de uma memória reconfortante podem ajudar a mudar o foco.
  • Lembre-se: não foi sua culpa: Independente do que aconteceu, o abuso nunca é nossa culpa. Se estiver lidando com sentimentos de auto acusação, procure se cercar de pessoas que ofereçam apoio, ou leia sobre por que esses mitos de culpa existem — isso pode ajudar a desfazer essas ideias.

Cuidando de si 

Aqui estão algumas formas de nos cuidarmos depois da conversa. Pode ser que precisemos disso algumas horas, dias ou até meses depois. O que for necessário, está tudo certo.

  • Siga seu próprio ritmo: Se curar não é "superar" — é encontrar o que nos ajuda a nos sentir íntegras(os). Escrever, ficar em silêncio, refletir ou entender o que precisamos para curar são formas válidas de honrar nosso processo.
  • Pratique atividades de aterramento: Respiração profunda, alongamentos, ouvir música ou estimular os sentidos (tato, som, visão, olfato e paladar) podem ajudar a nos trazer de volta ao presente.
  • Reconecte-se com sua alegria:O trauma pode nos afastar da alegria, mas fazer espaço para rir, se divertir ou relaxar pode ser profundamente restaurador. Assistir algo leve, retomar um hobby ou passar tempo com animais de estimação são formas de cura.
  • Priorize descanso e nutrição: Comer com regularidade, beber água e descansar o máximo possível apoiam nosso bem-estar físico e emocional. Pequenos cuidados podem ser passos significativos na nossa jornada.
  • Expresse-se criativamente: Escrever, pintar, cuidar de plantas, fazer música — qualquer atividade que ajude a extravasar emoções pode trazer alívio. Não precisamos ser "boas ou bons" nisso para que tenha efeito terapêutico.
  • Busque conexão quando se sentir pronta(o): Se parecer o momento certo, estar com alguém de confiança pode nos lembrar de que não estamos sozinhas e sozinhos.

Acima de tudo: colocar-se em primeiro lugar não é egoísmo. Cuidar do nosso bem-estar não é só sobre curar o passado, é sobre criar espaço para nós no presente e no futuro. Ao nutrir nosso espírito e bem-estar ativamente, abrimos espaço em nossas vidas para o apoio de outras pessoas, e o mais importante, para nós.